Terça-feira, 6 de Novembro de 2007

Retratos do trabalho - 3

Luís (advogado)
A instabilidade do direito

 

Luís não quer dar a cara nem o nome. Por isso é Luís, depois de ter pensado ser João, Miguel e Ricardo. Advogado, Luís receia que o reconheçam no escritório em que estagia há quase dois anos. Teme quaisquer consequências para a sua carreira se souberem que veio para a imprensa contar que em duas horas pode fazer um parecer que custará 1000 euros ao cliente mas que, no fim do mês, só recebe 500 euros de ordenado.

Mesmo assim, Luís sente-se privilegiado por ter um salário. Começou por receber 250 euros e ainda chegará aos 750 euros. Muitos dos seus colegas trabalham gratuitamente durante os dois anos de estágio obrigatório que se segue à licenciatura em Direito.

Os seus dias são quase exclusivamente dedicados ao trabalho. O resto do tempo serve, no essencial, para descansar e retemperar forças para o dia seguinte. Em geral, entra às10h e sai entre as 18 e as 19h. «Não há bem horário de trabalho. Há a ideia de que, sendo profissionais liberais, temos de fazer aquele trabalho e ponto final, mas, se não estamos no escritório cedo e se não saímos tarde, isso é notado. Há uma certa pressão para estarmos no escritório bastante tempo», refere.

No mínimo trabalha oito horas por dia, mas por vezes o dia no escritório estende-se para treze ou catorze horas. «Há alturas em que conseguimos controlar bem o trabalho e sair a horas decentes, noutras o trabalho é tanto que não dá. Eu tenho tido sorte. Ao longo do estágio nunca trabalhei ao fim-de-semana. O máximo que fiquei foi até à uma da manhã», afirma.

 

Explorado e injustiçado

 

Luís está a recibos verdes e a instabilidade característica da profissão assusta-o. «Alguns advogados optam por ter uma posição fixa numa empresa ou num banco e assim têm alguma estabilidade. Outros querem ter escritórios ou uma sociedade de advogados. Aí, ora estás bem ora estás mal. Tenho um bocado de receio disso, ver que agora posso estar bem mas não saber o que é feito de mim daí a um ano. Pode haver problemas com os clientes e eu ficar sem trabalho. Não há contrato.»

Luís gostaria de ser professor de história ou de línguas, mas optou por Direito devido às perspectivas de um salário relativamente elevado. Não sente uma paixão pela profissão, mas gosta do que faz. «Dei por mim em Humanísticas e a única profissão que teoricamente poderia dar um futuro mais estável financeiramente era esta. Fui por dinheiro. Agora durante o estágio quase que estou arrependido. Vim pelo dinheiro e tenho de aguentar dois anos a ganhar pouco… Queria apenas ter uma profissão e um salário para viver bem.»

Os dias de Luís são praticamente passados no escritório, em reuniões com os clientes e em frente ao computador a preparar processos, a escrever pareceres e a acompanhar sociedades, com a redacção de actas e de contratos, a avaliação das contas, a nomeação dos órgãos sociais e a resolução de problemas jurídicos.

«Eu já fiz um bocadinho de quase tudo», refere. Em geral, o seu trabalho não é alterado, por isso, ao receber um salário baixo, sente-se injustiçado. «Todos os estagiários acham que são um bocado explorados e ainda mais os que não recebem ordenado. Imagine-se o que é estar um mês inteiro a trabalhar para alguém, a fazer um bom trabalho de estágio e não ter nenhuma contrapartida. Há muitos estagiários que são bons, que fazem trabalhos quase finais e que os patronos aproveitam quase na íntegra. No entanto, não recebem nada. É vergonhoso. Uma situação dessas choca. De certa maneira, compreendo por causa da questão da responsabilidade. Não sou eu que ponho o nome por baixo, mas tem de haver um meio-termo, tem de ser regulamentado. Aliás, isso está a ser debatido na Ordem dos Advogados.»

Para entrar para a Ordem, os estagiários têm de assistir a aulas e passar a exames sobre seis temáticas. Depois disso, assistem a 60 processos em tribunal e fazem dez intervenções em processos com arguidos. Os processos de Luís «têm estado a correr bem». «São casos oficiosos simples, como cheques sem previsão ou desobediências. Fazemos os interrogatórios, os julgamentos, acompanhamos os arguidos… Quando se tem contencioso no escritório é a mesma coisa», explica.

 

Acompanhar o mundo

 

Para Luís, a actividade de um advogado é rica e pouco monótona. «Damos um sentido à profissão: estamos a trabalhar para a justiça, estamos a defender os interesses de um cliente. Quando sinto que ajudei um cliente e que ele ficou mais salvaguardado, é reconfortante, fiz bem o meu trabalho. Já aconteceu aparecer o "cliente sabichão" que nos diz para fazer isto e aquilo. Nessas situações optei por dizer: "As consequências dos seus actos são estas. Pode ir para a frente, mas é ilegal". Eu defendo os interesses dos clientes dentro da lei. Há casos que são uma dor de cabeça, é uma encruzilhada.»

Diariamente Luís sente uma grande pressão. A actualização é constante e é inevitável acompanhar o mundo se se quer acompanhar o direito. Todas as semanas vão surgindo situações novas e um advogado tem obrigação de responder a todas as questões. «O problema é que não há tempo para isso. De manhã posso fazer um contrato de trabalho, à tarde um contrato de agência, no dia seguinte tenho um processo para pôr em tribunal e quando chego ao escritório tenho um cliente com dúvidas sobre concorrência. Esta é uma particularidade pesada da profissão. É uma grande responsabilidade. Ou crias um mecanismo de defesa para te habituares a isso ou levas o trabalho para casa.»

Os problemas do mercado de trabalho são um mito que Luís ainda não consegue traduzir para a sua própria linguagem. «Já ouvi advogados experientes a dizer que há pessoas a mais e outros a dizer que o mercado absorve perfeitamente toda a gente, mas que o ramo tem de ser organizado. Eu conheço licenciados em Direito que estão a fazer coisas completamente diferentes, mas não sei bem.»

Luís garante que se ganha mais dinheiro num escritório do que se trabalhar num banco ou numa empresa. «É uma prestação de serviços, pode receber-se um salário, comissões ou as duas coisas. A segurança nas sociedades é passar a sócio. Se chegarmos aos 30 anos e não entrarmos para sócio, temos de pensar seriamente na vida. Estará na altura de ir para outro lado ou montar um escritório. Temos de ter estabilidade e saber onde estaremos amanhã.» Por isso, Luís começa a pensar num processo que colocará brevemente à sua vida: o que fazer amanhã.

publicado por pcpdiagonal às 20:16

Link do post | Comentar | favorito

.::Pesquisar neste blog

 

.::Janeiro 2008

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
15
16
17
19
20
21
22
23
25
26
27
28
30
31

.::Posts recentes

.:: Sobre a Segurança Social

.:: Educação e Cultura

.:: O medo e a burla

.:: O referendo

.:: Governo beneficia grupos ...

.:: Prenda de Natal

.:: Premiando falas «gratuita...

.:: África, Dependência e Dív...

.:: O Trabalho e a contra-ofe...

.:: Jantar Convívio do SINTEL

.:: Quando omitir é informar

.:: Da democracia

.:: POLÍTICA PARA O LIVRO E A...

.:: POLÍTICA PARA O LIVRO E A...

.:: POLÍTICA PARA O LIVRO E A...

.::Arquivos

.:: Janeiro 2008

.:: Dezembro 2007

.:: Novembro 2007

.:: Outubro 2007

.::Links